Battisti é recebido com marchinha de Carnaval em fórum no RS

04/02/2012 16:26

Cesare Battisti recebe o carinho de participante do Fórum Social Temático, em Porto Alegre . Foto: Jonathan Heckler/Agência Freelancer/Especial para Terra

Cesare Battisti recebe o carinho de participante do Fórum Social Temático, em Porto Alegre
Foto: Jonathan Heckler/Agência Freelancer/Especial para Terra

Fernando Diniz
Direto de Porto Alegre

Para quem passou anos entre a prisão e a clandestinidade, Cesare Battisti parecia à vontade com a receptividade calorosa nesta quinta-feira, no Fórum Social Temático, em Porto Alegre (RS). Depois de tirar fotos com militantes, o ex-ativista italiano foi presenteado com uma marchinha carnavalesca própria do grupo Crítica Radical, do Ceará.

Maria de Lourdes Negreiro de Paula, 81 anos, viajou três dias em um micro-ônibus desde Fortaleza para homenagear o escritor, condenado à revelia pela Justiça italiana pela suposta participação em quatro assassinatos no fim da década de 70. "Ele com certeza foi um prisioneiro político. Eu, nessa idade, acredito muito na inocência", disse a veterana esquerdista, após dançar com o italiano.

Battisti foi à capital gaúcha para apresentar seu novo livro, o romance Ao pé do muro, inspirado nos anos de prisão no Brasil. A obra é a última da trilogia que conta com Minha fuga sem fim e Ser bambu. "Eu conheci o Brasil através da palavra dos presos, através da história pessoal desses presos, que morriam de saudade da terra em que eles nasceram. O preso, quando se solta, fala de coração aberto, transmite um material incrível para alguém que quer escrever ficção", disse o ex-ativista, sobre sua inspiração.

Apesar de o lançamento ter sido anunciado na programação do fórum, o livro novo de Battisti só sairá em março. A palestra da tarde desta quinta-feira foi tratada como um "pré-lançamento", que foi precedido por um ato do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, que bancou a viagem do ex-ativista. Atrás da mesa de discussão, uma faixa anunciava a causa: "O petróleo tem que ser nosso".

Tarso e Lula
Battisti voltou a falar de seu encontro com o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que, na condição de ministro da Justiça, foi responsável por conceder status de refugiado político ao italiano. "Para mim foi um grande prazer em apertar a mão dele. Um prazer que eu gostaria de repetir apertando a mão do Lula. Infelizmente ele está passando por um momento difícil agora", disse.

O ex-ativista afastou a hipótese de Lula ter negado a extradição por afinidades políticas. "Ele era chefe de um Estado, é uma responsabilidade enorme. Ele só tomou a decisão depois de se informar. Ele tomou a decisão com conhecimento de causa, com ponderações", disse.

Perguntado se teme que um dia a decisão de Lula possa ser revogada, como ocorreu na França, Battisti explicou que a situação é diferente. "Na França foi um refúgio informal. Eu estava protegido pela palavra do presidente François Mitterrand. Aqui é formal, aqui tem uma decisão. Deveria ter que acontecer algo extraordinário, não imagino o que, para ser extraditado."

 

Caso Battisti
Ex-integrante da organização de extrema-esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), Cesare Battisti foi condenado pela Justiça italiana à prisão perpétua por quatro assassinatos, ocorridos no final da década de 1970. O italiano nega as acusações. Depois de preso, Battisti, considerado um terrorista pelo governo da Itália, fugiu e se refugiou na América Latina e na França, onde viveu exilado por mais de 10 anos, sob proteção de uma decisão do governo de François Miterrand. Quando o benefício foi cassado pelo então presidente Jacques Chirac, que determinou a extradição de Battisti à Itália, o ex-ativista fugiu para o Brasil em 2004. Encontrado, ele ficou preso no País a partir de 2007.

O então ministro da Justiça, Tarso Genro, sob o argumento de "fundado temor de perseguição", garantiu ao italiano o status de refugiado político, o que em tese poderia barrar o processo de extradição que o governo da Itália havia encaminhado à Suprema Corte brasileira. Ainda assim, o caso foi a julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) no final de 2009, quando os magistrados decidiram que o italiano deveria ser enviado a seu país de origem, mas teria de cumprir pena máxima de 30 anos de reclusão, e não prisão perpétua como definido pelo governo da Itália. Na mesma decisão, no entanto, os ministros definiram que cabia ao presidente da República a decisão final de extraditar ou confirmar o refúgio a Battisti.

No dia 31 de dezembro de 2010, último dia de seu governo, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não extraditar Battisti à Itália, com base em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que levantava suspeitas de que a ida do ex-ativista a seu país de origem poderia colocar em risco a sua vida. Segundo o documento, a repercussão do caso e o clamor popular tornariam o futuro de Battisti "incerto e de muita dificuldade" na Itália.

Três dias depois da decisão de Lula, a defesa de Battisti entrou com um pedido de soltura no STF, mas o governo italiano pediu ao Supremo o indeferimento da petição alegando "absoluta falta de apoio legal". Na ocasião, o presidente do STF, Cezar Peluso, negou a libertação imediata e determinou que os autos fossem encaminhados ao relator do caso, ministro Gilmar Mendes. No dia 3 de fevereiro, o governo italiano encaminhou STF um pedido de anulação da decisão de Lula, acusando-o de não cumprir tratados bilaterais entre os dois países.

Os recursos foram julgados no dia 8 de junho de 2011. Primeiro, O plenário decidiu que o governo da Itália não tinha legitimidade para contestar a decisão de Lula. Em seguida, o STF determinou a liberdade imediata do italiano por entender que não cabe ao Supremo contestar a decisão "soberana" de um presidente da República. Com o fim da sessão, o alvará de soltura de Battisti foi encaminhado para a penitenciária da Papuda, em Brasília, de onde ele saiu nos primeiros minutos do dia 9 de junho, após quatro anos preso.

 

Fonte: https://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5579266-EI7896,00-Battisti+e+recebido+com+marchinha+de+Carnaval+em+forum+no+RS.html